terça-feira, 28 de outubro de 2008

Conexão, continência e declaração de incompetência

Professor Vicente Greco Filho


۩. Da conexão e da continência
A conexão e a continência são fatos, resultantes de vínculos entre infrações penais ou seus agentes, que alteram o caminho ordinário de determinação da competência, impondo a reunião, num mesmo processo, de mais de uma infração ou mais de um agente.

É costume dizer-se que a conexão e a continência modificam a competência. Essa afirmação, porém, somente é válida no que concerne à competência em abstrato, ou seja, no caminho que se desenvolve antes da fixação definitiva, em concreto. O desaforamento, sim, modifica a competência em concreto, depois de definida. A conexão e a continência atuam antes dessa definição.

O legislador processual penal optou por definir legalmente os casos de conexão e continência, respectivamente nos arts. 76 e 77, mas é possível dizer que a conexão resulta de vínculos objetivos ou subjetivos entre infrações e que a continência resulta da unidade da ação delituosa. Ambas têm o mesmo efeito jurídico, que é a reunião dos processos ou o julgamento conjunto, regra, porém, não absoluta, porque se houver motivo relevante pode haver a separação. A conexão e a continência têm um fundamento funcional, ou seja, o julgamento conjunto facilita a apuração e assegura a coerência de decisões.

Entre os motivos relevantes para que não ocorra a reunião ou para que se separem os processos, cita o art. 80 do Código: se as infrações foram praticadas em circunstâncias de tempo ou lugar diferentes ou se houver excessivo número de réus, ou ainda, para não prolongar a prisão provisória de algum deles. Essas hipóteses são exemplificativas, porque é admissível a separação se, por outro motivo relevante, o juiz reputá-la conveniente. O art. 79 cita mais três casos de separação: se em relação a algum acusado ocorre doença mental superveniente, se houver co-réu foragido que não possa ser julgado à revelia, que é o caso dos crimes inafiançáveis de júri, e se houver divergência nas recusas dos jurados por defensores diferentes
de réus diferentes, nos termos do art. 461.

A eventual incompatibilidade das decisões separadas será corrigida em grau de apelação e, até, em habeas corpus ou revisão criminal se a decisão for desfavorável ao acusado.

A conexão se diz subjetiva, objetiva ou instrumental, segundo a natureza do vínculo entre as infrações, podendo existir mais de um deles.


۩. Há conexão:
1. se duas ou mais infrações foram praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas. O vínculo, no caso, é objetivo-subjetivo (tempo-reunião das pessoas);

2. se as infrações foram praticadas por pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar. O vínculo é subjetivo;

3. se as infrações foram praticadas por várias pessoas umas contra as outras. O vínculo é subjetivo;

4. se as infrações foram praticadas umas para facilitar ou ocultar as outras ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas. O vínculo é objetivo, dizendo-se, neste caso, que a conexão é conseqüencial ou causal;

5. se a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração. O vínculo é processual, denominando-se conexão instrumental ou probatória.

Há quem distinga a hipótese de conexão causal da conexão conseqüencial. Todavia, a diferença resulta, apenas, do ponto de vista de que se examinam as infrações. Do ponto de vista da primeira, esta é causa em relação à segunda, e esta, por sua vez, é conseqüência da primeira. E vice-versa. Daí preferirmos dizer que conexão causal e conseqüencial são sinônimos.


۩. Há continência:
1. se duas ou mais pessoas foram acusadas pela mesma infração;

2. se a infração foi cometida nas condições previstas nos arts. 70, 73, segunda parte, e 74 do Código Penal (15). Trata-se do concurso formal, do erro de execução quando é também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender e da ocorrência de resultado diverso do pretendido se também ocorre o pretendido. Nos três casos há mais de uma infração, mas apenas uma conduta.

Havendo conexão ou continência, os fatos devem compor um mesmo processo, e se, não obstante os vínculos, forem instaurados processos diferentes, a autoridade prevalente deverá avocar os outros, salvo se já estiverem com sentença definitiva. Neste caso a unidade dos processos dar-se-á posteriormente, para efeito de soma ou de unificação das penas.



۩. São prevalentes :
1. o júri em relação aos outros órgãos de jurisdição comum;

2. a Justiça Federal em relação à estadual (Súmula 52 do Tribunal Federal de Recursos. Não há previsão expressa no Código porque na época de sua edição não havia Justiça Federal.). No caso de haver conexão com crime de júri prevalece o júri, mas este será organizado e presidido por juiz federal, de vara federal;

3. o tribunal de maior hierarquia, se houver um ou mais de um acusado com prerrogativa de função;

4. a Justiça Eleitoral em relação aos crimes comuns. A Justiça Militar nunca julga os crimes conexos comuns, que serão processados em separado perante o respectivo juízo competente. O Código refere, também (art. 79), que não haverá unidade de processos no concurso entre a jurisdição comum e a do juízo de menores. Tal regra, porém, seria desnecessária, porque o objeto da prestação jurisdicional tutelar de menores não é a sanção penal, separando-se, naturalmente, a sua atividade;

5. no caso de concorrência de juízos da mesma justiça e, hierarquicamente, da mesma categoria:

a. o lugar da infração a que for cominada pena mais grave;

b. o lugar em que houver ocorrido o maior número de infrações se as penas forem iguais;

c. o juízo que praticou qualquer ato ainda anterior ao recebimento da denúncia ou queixa, ou seja, o juízo que se tornar prevento, se os critérios anteriores não definirem o juízo prevalente.

Estas regras não valem para dois tribunais de justiça ou dois Tribunais Regionais Federais, como ocorreria no caso de crimes praticados, por exemplo, por dois juízes subordinados a tribunais diferentes. No caso, cada um será julgado por seu respectivo tribunal. As regras valem, pois, para juízos de primeiro grau: todos da justiça comum ou todos da Justiça Federal, ou ainda, todos de justiça especial.



۩. Meios de declaração da incompetência


No processo penal, em todas as questões de competência, o próprio juiz pode declarar sua incompetência, segundo a regra básica de que o juiz é sempre o juiz da própria competência. Nesse sentido, toda incompetência, mesmo a territorial, é absoluta, porque pode ser reconhecida de ofício.

O segundo meio de declaração da incompetência é a exceção, que adiante será estudada. O terceiro é o conflito de competências, positivo ou negativo, adiante também estudado no capítulo sobre as questões e processos incidentes.



۩. Efeitos da declaração de incompetência


Declarada a incompetência, ocorre nulidade, por expressa cominação do art. 564, I, do Código. Todavia, se se trata de incompetência em razão da natureza da infração (aplica-se, também, à competência das justiças especiais e da Justiça Federal), ou material, como a do júri e outras, e incompetência por violação de competência funcional, a nulidade é absoluta. Se a incompetência é territorial ou por falta de aplicação das regras sobre conexão e continência, a nulidade é relativa, ou seja, depende de prova de prejuízo. O assunto, nulidade absoluta e relativa e prova de prejuízo, será amplamente tratado no capítulo pertinente às nulidades.

A despeito do fundamento funcional da conexão e da continência. a relatividade da nulidade decorre, inclusive, do grande número de situações em que é admissível a separação de processos ou a sua não-reunião, conforme descrito no item próprio, demonstrando que a unificação está sujeita a critérios de conveniência e conseqüentemente de existência, ou não, de prejuízo.

Cabe, todavia, desde logo, comentar o art. 567 do Código de Processo Penal, que dispõe: "A incompetência do juízo anula somente os atos decisórios, devendo o processo, quando for declarada a nulidade, ser remetido ao juiz competente".

A finalidade do dispositivo é a de salvar da decretação da nulidade alguns atos processuais, como por exemplo os atos instrutórios.

São atos decisórios a sentença, o decreto de prisão preventiva ou outro ato que decida algum processo incidental, como o incidente de falsidade.

Há, contudo, polêmica a respeito da natureza do despacho de recebimento da denúncia ou queixa. Seria, ou não, decisório?

Sob o aspecto técnico processual, evidentemente que sim. É uma deliberação de grandes conseqüências e que jamais poderia ser considerada de mero expediente. Com o recebimento da denúncia ou queixa, o juiz assume a coação processual, interrompe-se a prescrição, o Código dá por instaurada a ação penal.

Todavia, se assim se entender à luz do art. 567, esse mesma artigo fica inutilizado, porque, se sua finalidade é preservar alguns atos processuais, a nulidade do recebimento da denúncia ou queixa torna nulo todo o processo, porque esse ato está colocado no limiar inicial da ação penal. Para salvar o dispositivo, portanto, pelo menos para os fins de nulidade, não se pode entender que o recebimento da denúncia ou queixa seja ato decisório.

Alguns juízes, para contornar o problema, têm ratificado o recebimento da denúncia. Tal providência, porém, em vez de resolver o problema, cria outro mais profundo, que é a incerteza sobre a data da interrupção da prescrição. Considera-se ela interrompida na data do primeiro despacho ou na data da ratificação?

Se se entender que é do primeiro, encurta-se o prazo do fato a essa causa interruptiva; se se entender que é do segundo, amplia-se esse prazo, mas encurta-se o que vai da data do recebimento da inicial até a sentença condenatória. Ambas as situações, conforme a hipótese, podem levar a confusão e prejuízo do acusado.

Por outro lado, se o primeiro despacho era válido e teve força interruptiva, não precisava de ratificação; se era inválido, o segundo não foi de ratificação, mas novo ato.

A ratificação não é prevista pela lei para essa hipótese, logo não deve ser utilizada por gerar a inconveniência acima aludida. Cabe ao juiz manifestar-se concludentemente sobre a nulidade, ou não, a partir do recebimento da denúncia ou queixa. Essa decisão poderá ser reexaminada por via recursal, dirimindo-se, logo, a divergência, em vez de se deixar uma dúvida latente de efeitos posteriores, com o perigo da inutilização do processo

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